Na próxima terça-feira, Roberto Carlos faz 70 anos. E ninguém escapa dele. Esteja você onde estiver, vai ser lembrado disso em algum momento do seu dia --pelo rádio, pela TV, pelos jornais, pelo zunzunzum na rua.
O Brasil chama Roberto de Rei desde os anos 1960.
O artista se mantém desde então como o maior vendedor de discos do país. Lota os shows que faz. E, mesmo que não lance um álbum de inéditas há oito anos, é reconhecido como um dos nossos autores mais relevantes.
Gerações que passaram a ouvi-lo depois dos anos 1990 --e seus shows são cheios de adolescentes-- devem imaginar que esse prestígio se manteve intacto durante todo esse tempo. Não podem imaginar que, por cerca de dez anos, Roberto Carlos não seduziu a juventude.
O estranhamento com a faixa etária que o alçou à fama começou por volta de 1982, segundo Paulo César de Araújo, autor de "Roberto Carlos em Detalhes", biografia vetada pelo Rei na Justiça.
Quando o rock Brasil começa a despontar --com bandas como Blitz, RPM, Titãs, Legião Urbana, Ira! e Barão Vermelho--, o discurso de Roberto foi "encaretando".
"O mesmo artista que já havia cantado que 'tudo o que eu gosto é ilegal, é imoral ou engorda' [em 1976] passava a representar o contrário disso", diz Araújo.
Quem assumia essa postura era Cazuza, por exemplo. "Mais uma dose? É claro que eu tô a fim", cantava.
Alguma coisa na receita infalível do Rei tinha dado errado, e o público jovem mais antenado se afastou. Roberto não voltaria a se aproximar dele se dependesse só de um impulso artístico seu. Mas a obra trabalhou por ele.
"As pessoas passaram a não se preocupar com o que o Roberto estava fazendo, mas com o que tinha feito no passado", diz o ex-Ira! Edgard Scandurra. "Aquela obra fantástica dos 60 e 70 não podia ser menosprezada."
CARACÓIS
O apelo do Rei entre os jovens começa a retornar em 1992. No show "Circuladô", Caetano Veloso revelava que "Debaixo dos Caracóis dos seus Cabelos" (1971) fora composta para ele quando estava exilado em Londres.
"Ali, o público vê que Roberto tinha tomado uma atitude política que jamais imaginavam", diz Araújo.
A gravação de "Caracóis" foi para a rádio e colocou a música, então semiesquecida, nas paradas de sucesso.
Mais sucesso ainda faria, no ano seguinte, "As Canções que Você Fez pra Mim" --o álbum inteiro que Bethânia dedicaria às composições de Roberto (e Erasmo).
Mesmo quem insistia em chamar Roberto de brega foi obrigado a assumir suas qualidades como compositor.
Os passos seguintes foram dados por alguns daqueles mesmos artistas que o encobriram na década anterior.
Lançado em 1994, o álbum-tributo "Rei" trazia justamente Barão, Blitz, Kid Abelha e Paulo Miklos (dos Titãs). "É Proibido Fumar", com Skank, vira hit. De novo.
Segundo Miklos, nenhum dos envolvidos no CD tinha em mente "resgatar" Roberto --até porque ele vendia mais que qualquer roqueiro.
"Queríamos explicitar a influência dele, a importância da música nos primórdios do rock que fazíamos."
Com os Titãs, Miklos voltaria a contribuir com o retorno de Roberto à juventude em 1998, quando a banda pinçou do baú a filosófica "É Preciso Saber Viver". Uma das mais tocadas do ano, voltou ao repertório do Rei.
Canções de Roberto entrariam em discos do Jota Quest, do Kid Abelha, de Sandy & Junior e de Luiza Possi.
Seus shows atuais recebem muitos dos mesmos espectadores que o negaram nos 1980. Hoje trintões, choram de emoção quando o Rei surge no palco e canta.
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